terça-feira, 22 de setembro de 2009

DICAS DO ENREDO - FESTA DO DIVINO

Extraído de http://www.aguaforte.com/antropologia/festaabrasileira/AFestadoDivino.html

FESTA DO DIVINO
A Festa do Divino é uma festa da Igreja Católica em que se celebra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos e a Virgem Maria, reunidos no cenáculo (local da última ceia), marcando o nascimento da Igreja.
Quando chegou o dia de pentecostes, eles se achavam reunidos todos juntos.

A Festa do Divino Espírito Santo é uma das festas mais recorrentes em todos os calendários turísticos e sobre festas que pude encontrar. Sua realização, contudo, parece adquirir maior relevância em regiões de colonização mais recente, como é o caso do Centro-Oeste brasileiro onde outras ela é a mais constante nos calendários das cidades. Pouco se sabe sobre sua origem como evento no Brasil a não ser que ela veio com os portugueses no período colonial, quando era efusivamente comemorada. Segundo vários autores ela foi sofrendo transformações paulatinas, “decaindo” na preferência popular por alguns anos, devido, talvez, ao empobrecimento das regiões onde se solidificaram como forma de culto ao Espírito Santo, pois elas parecem ter tido início, no Brasil, nas áreas de mineração do ouro, como Minas Gerais e Goiás. A respeito dos primeiros tempos da Festa do Divino no Brasil e as formas pelas quais teria sido levada à região central, existem poucas e imprecisas informações, tanto nos vários autores que dela trataram como também segundo alguns moradores desta região. Acredita-se que o costume veio de Portugal, trazido pelos missionários jesuítas e primeiros colonos.

A crença no Espírito Santo é reconhecida como um dos principais focos das formas de religiosidade popular do Centro-Oeste, contrariamente ao que acontece no Nordeste e Sudeste do país, onde outros santos padroeiros, como os juninos, ocupam o lugar que no Brasil Central se destina ao Divino. Diz-se ainda que a festa está intimamente ligada ao período da mineração de ouro e se conservou especialmente nas velhas cidades goianas do século XVIII, sendo rara e pouco solene nas cidades que foram fundadas depois do ciclo do ouro. Segundo Carlos Brandão (1978), as pessoas de origem mais pobre de Pirenópolis (onde realizou seus principais estudos), ligam a origem da festa à sua antigüidade apenas. A festa é tradicional, para estas pessoas, “porque é costume muito antigo”. Já nos discursos das pessoas “letradas”, há referências históricas, nomes e datas. Algumas versões da origem da festa são verdadeiros mitos narrados por moradores como uma versão que Brandão publicou, contada um habitante de Pirenópolis que, segundo ele, dizia possuir conhecimentos pessoais que até 1974 não eram conhecidos sequer por pessoas de sua família. Segundo esta versão:



“Ainda na Idade Média teria aparecido em Portugal um monge considerado como um santo. Depois de longos anos de retiro no deserto, foi-lhe revelada a vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. A humanidade teria já ultrapassado a época do Pai (o Antigo Testamento) e, ao seu tempo, terminava o seu trânsito por sobre a época do Filho (o Novo Testamento). Estaria para chegar ao mundo a época final, a do Espírito Santo, marcada pelo advento de uma implantação definitiva da paz, do amor da bondade entre todos os homens do mundo.[...] O monge voltou às cidades e procurou difundir a revelação recebida, tida imediatamente como revolucionária pelas autoridades eclesiásticas do seu tempo. Suas idéias proféticas conquistaram inúmeros adeptos, logo perseguidos por uma igreja oficial, ao mesmo tempo medieval e fechada. Segundo a versão, ‘só em Portugal foram queimadas mais de 400 pessoas por sua crença no Espírito Santo‘. Inúmeros adeptos da nova crença migraram para o Brasil, logo depois de sua colonização e, depois da conquista dos espaços mediterrâneos, ocuparam, prioritariamente, antes as terras de Minas Gerais e, depois, os espaços de Goiás e, em menor escala, os de Mato Grosso” (Brandão, 1978: 65).
Existem evidências históricas dessa versão, que próprio Brandão (1978: 143, nota 50) apresenta e que são uma boa demonstração dos modos de variação dos fatos históricos quando incorporados às práticas de grupos de pessoas vinculadas a festejos populares de expressão católica. Um exemplo de que os vazios do mito são muitas vezes preenchidos com elementos históricos do mesmo modo que os vazios da história podem ser preenchidos por criações míticas.

A festa do Divino Espírito Santo realiza-se no Domingo de Pentecostes, festa móvel católica, que acontece sempre cinqüenta dias depois da Páscoa, em comemoração à vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. Ela se realiza em inúmeras localidades do país. No Brasil central, contudo, parece ser a mais relevante e mobilizante das festas. Se nas demais regiões temos outras festas aglutinadoras da população (como o Carnaval no sudeste, as festas juninas no norte e nordeste, as FESTS no sul), a festa do Divino Espírito Santo cumpre este papel no Brasil central, embora não seja oficialmente reconhecido como santo padroeiro da maioria das cidades em que acontece.

Existe um culto pessoal do Espírito Santo em toda a região central. Segundo Brandão, as pessoas recorrem ao Divino em busca dos mesmos milagres esperados dos santos da igreja católica fazendo, inclusive, promessas. Ele não tem atributos específicos, ou seja, não tem um dom específico de cura ou proteção, como é o caso de São Brás que protege a garganta, ou Santo Antônio, que protege os namorados. Por esta razão, ao Divino tudo se pede, embora ele perca em quantidade de promessas e votos para São Benedito. Finalmente, o Divino Espírito Santo não tem culto institucionalizado por parte de algum segmento social, seja classe, profissão ou etnia.

Os motivos apresentados nos discursos das pessoas que fazem a festa, para realizá-la remetem, segundo vários autores, a uma firme crença no Divino, reconhecida em toda região. E as pessoas que Brandão entrevistou diziam que “sempre tiveram essa fé com o Divino”. E por isso que a festa foi criada e se repete todos os anos. A crença no Espírito Santo explica a festa. Ela é compreendida como um modo próprio da cidade expressar sua crença, promovendo uma situação de múltiplos rituais de louvor e homenagem ao Espírito Santo.

Como acontece nas grandes festas, apesar de o momento central acontecer num único dia, no caso o Domingo de Pentecostes (chamado por todos de “Domingo do Divino”), ela começa bem antes, não apenas no espírito dos participantes, como também nos preparativos e escolhas que devem ser feitos. No período que antecede a festa, os momentos centrais são o do sorteios dos “encargos do Divino” e a “Coroação do Imperador”.

A Festa do Divino coloca dentro de sistema de ações de trocas e serviços, pessoas socialmente diferenciadas em posições também diversas e muitas vezes interdependentes. Pode-se mesmo dizer que é sobre estas trocas simbólicas de modos de participação que se constitui, na prática, a Festa do Divino. Ela instaura uma transformação não apenas na vida da sociedade local como também na vida pessoal dos participantes, como de resto acontece com todas as festas, mas especialmente com as festas devocionais.

Aqueles que se comprometem com os festejos do Divino redefinem-se, uns para com os outros, ao se integrarem a um sistema de posições e relações que apesar de algumas vezes derivarem de relações que acontecem em outras áreas da sociedade local, somente possuem valor dentro da situação da festa e de seus vários rituais. Isto significa que empregado e patrão, por exemplo, podem ter seus papéis invertidos, reforçados ou anulados no sistema religioso da festa.

Como um ritual religioso e que é, ao mesmo tempo, visto como folclórico, passível de ser entendido como demonstração da identidade local, a Festa do Divino é um acontecimento que deve ter as características do culto ao Espírito Santo e ser organizado de forma a constituir um acontecimento da cidade (Brandão, 1978; Moraes Filho, 1979). Assim, sua organização deve ter sempre em vista a possibilidade de ampliação de cultos e rituais de esfera individual ou restrito a pequenos grupos, até as dimensões da cidade ou mais amplas, já que as festas se expandem ao ponto de alcançar as áreas rurais ao redor e outros cidades e de absorver pessoas de toda a região, e mesmo de fora dela. A Festa do Divino de Pirenópolis, estudada por Brandão, é exemplar e será usada como tal aqui, representando um exemplo ideal, que não contém, necessariamente, todas as variações possíveis do sistema da festa.

O principal responsável pela preparação e realização da festa é o imperador do Divino, devendo ser, ao mesmo tempo, seu maior investidor e aquele através de quem a cidade presta suas homenagens ao Espírito Santo, o Divino.


Como uma espécie de representante temporário do Divino Espírito Santo, o imperador se torna objeto de todas as homenagens e deferências durante a comemoração. Por esta razão, o momento principal em toda a sucessão de momentos do festejo, que dura dias, é o da “Coroação do imperador”. É o momento em que simbolicamente o Espírito Santo vem à terra, sobre o imperador do Divino ou personificado nele, como na época dos apóstolos, e em que a festa promove, num único ritual, seus dois principais atores e personagens: o imperador e o padre. E é também o momento em que a sociedade local estabelece os termos rituais da continuidade da festa do Divino, de modo solene, ao estabelecer a passagem de um “ano imperial” para outro .

Considerada, como outras, uma festa popular, a Festa do Divino é realizada sob o duplo controle das autoridades eclesiásticas e da cidade, em geral. As “autoridades da cidade” podem ser as pessoas em melhor condições financeiras, como fazendeiros, comerciantes, empresários etc., como pessoas que gozam algum tipo de prestígio local, comportando, evidentemente, exceções. As pessoas que promovem a Festa do Divino ocupam, geralmente, posições derivadas das relações de trabalho na sociedade local, seja este trabalho urbano ou rural. São conhecidos que se organizam para esta finalidade, e os candidatos a festeiro em geral são fazendeiros, comerciantes ou outros que se conhecem de algum modo através de relações de trabalho. Em certos casos, ocupam posições específicas na festa por causa das posições que ocupam na sociedade. Assim, combinam-se os dois sistemas: o da festa e o das relações sociais.



Preparação da Festa - As Folias do Divino
Um ano antes da realização da Festa do Divino são distribuídos os chamados “encargos” da festa, ou seja, os papéis ou funções que cada um deverá exercer na Festa-representação que é a Festa do Espírito Santo. Estes encargos são sorteados entre todos os que se apresentam como candidatos. Quem se candidata deve estar ciente dos custos que o encargo envolve, embora muitas pessoas sabendo disso façam da candidatura ao encargo o sacrifício implícito em uma promessa que será paga com o trabalho e investimento material na festa. Os principais encargos da Festa do Divino são:

Mordomo da novena:
Um mordomo para cada noite da novena é sorteado, contando-se, portanto, com nove mordomos da novena. Eles são responsáveis pela organização e parte dos gastos com a “reza da novena” (velas e um eventual café com bolinhos oferecido aos que participam dela).
Folião da Cidade:
Responsável pela Folia do Espírito Santo, que percorre a cidade nos dias finais da Semana Santa e poucos dias antes da festa. Ele pode participar diretamente da folia ou pagar a algum folião para sair com a banda em seu lugar. Se ele próprio for o Folião, recebe as homenagens costumeiras de folia nas casas por onde passa. Se pagar pela Folia, recebe homenagens apenas dos demais foliões.
Mordomo das Velas:
Responsável pelos gastos com velas e também com energia elétrica durante os domingos do período da festa.
Mordomo da Bandeira:
Responsável pela guarda e manutenção (incluindo reformas) da Bandeira do Divino. É quem conduz em procissão a Bandeira do Divino e a coloca no mastro para o hasteamento. De sua casa sai a Procissão da Bandeira nos anos em que ela acontece. Segundo Brandão (1978), em alguns anos ou cidades é o Mordomo da Bandeira acompanha essa procissão em lugar de destaque.
Mordomo do Mastro:
É encarregado de obter e preparar o mastro da “Bandeira do Divino”, providenciar seu levantamento e também pela queima de fogos.
Mordomo da Fogueira:
Responsável pela construção da fogueira e sua queima, durante o levantamento do mastro e da bandeira, e ainda pela queima dos fogos.
Imperador do Divino:
É o responsável pela coordenação da festa juntamente com o padre da igreja local e alguns “mordomos, e pela maior parte dos investimentos feitos. Organiza os eventos da festa, arcando com grande parte dos gastos coletivos das Cavalhadas desde os dias do ensaio. Paga pelos fogos, pela decoração da cidade (ajudado pela prefeitura) e pelas apresentações das duas bandas. Recebe as pessoas da festa e visitantes em sua casa, onde deve oferecer comida e bebida. De sua casas saem: Alvorada do Sábado e do Domingo, Procissão da Coroa, Procissão do Espírito Santo e os Cavaleiros, para ensaio. Voltam à sua casa: Procissão da Volta da Coroa, Bandeira e Cortejo ao final da festa.



O imperador do Divino tem lugar de honra nas missas (sentado num trono), nas procissões e nas Cavalhadas (palanque imperial). Ele é homenageado em diferentes situações pelos cavaleiros, pela banda de música e pelos foliões do Espírito Santo. Usa os principais símbolos da festa: a coroa do Divino e o cetro (Brandão, 1978).

Nos dois últimos dias da Semana Santa, o Folião da Cidade a percorre com a primeira Folia do Divino de uma nova Festa. O pequeno cortejo de instrumentistas e cantores divide-se entre os bairros e vilas da cidade e seus integrantes procuram visitar o maior número possível de casas em busca de donativos para a festa. A coroa do imperador é levada da casa deste pelos foliões, que percorrem com ela e a Bandeira, os lugares de “peditório”. Essa atividade também é conhecida como “Bandeira do Divino”, e pode sair novamente durante a semana da novena.

A Festa “Profana”

A festa é vista como tendo uma parte religiosa e uma parte profana. Os eventos da parte considerada profana começam, geralmente, com a saída dos mascarados, a cavalo, e terminam com o cortejo final de “entrega da Festa”, na casa do Imperador.
À parte o desfile de mascarados, que é bastante aleatório e pode acontecer a qualquer momento do período da festa sendo, como observa Brandão (1978), uma série de cavalgatas aleatórias, a Festa ainda tem como momentos marcantes do divertimento popular as Cavalhadas (ou “Guerra entre Mouros e Cristãos” ou, ainda, simplesmente “Mouros e Cristãos”) e as Pastorinhas. Alguns autores sugerem mesmo que as Cavalhadas são, organizacionalmente, o ponto central da Festa (Alves, 1971; Pina; 1971). Segundo Brandão, esta ênfase é exagerada, e afirma que, do ponto de vista ritual, as Cavalhadas são apenas um evento a mais na série de eventos da festa. Tanto que em alguns lugares sequer existem, existiram, ou até desapareceram há muito tempo de algumas cidades onde ainda hoje se festeja o Espírito Santo, como em Goiás e Mossâmedes. Com ele concorda Kornerup (1974), que ressalta os vários momentos da festa como igualmente relevantes.
As Cavalhadas, consideradas um espetáculo específico da festa do Divino consistem em tardes de combates e disputas entre doze cavaleiros cristãos e doze mouros. Do mesmo modo que acontece com a apresentação das Pastorinhas, é um ritual minuciosamente ensaiado. Pelo menos quinze dias antes da primeira apresentação, os cavaleiros se reúnem, desde madrugada, no chamado “pasto real” para ensaiarem as carreiras e discursos do ritual.
Nos dois primeiros dias, geralmente à tarde, são realizados a entrada e o desfile dos cavaleiros, a cena de morte do espia-mouro, as carreiras de combate de lanças, pistola e espada após a troca de embaixadas e o desafio entre os dois reis. Ao final, no Domingo, o pedido de trégua e reinício das carreiras de lutas. Por fim, a derrota e prisão dos mouros, o discurso de conversão do rei mouro e o batismo dos derrotados. Na tarde do último domingo são feitas carreiras de conciliação e homenagens à assistência. Realizam-se ainda os jogos eqüestres de “argolinhas” ou de “cabecinhas”.
De sábado a terça-feira, realizam-se as “Revistas de Pastorinhas”. A apresentação das Pastorinhas na Festa do Divino Espírito Santo vêm sendo feitas desde o começo do século e é um costume que parece se mantém com vigor. Apresentam-se ainda, na parte profana da Festa, autos folclóricos, danças etc. (Araujo, 1955, 1959; Alves, 1971; Amaral, 1976; Brandão, T. 1976i; Bruno, 1953; Carneiro, 1974; Cascudo, 1969, 1971; Dantas, 1976; Kornerup, 1974; Lacerda, 1977; Moraes Filho, 1979 e muitos outros).
Na Festa do Divino de Pirenópolis, provavelmente a mais famosa do Brasil Central, acontecem ainda, constando como “festejos profanos” no calendário oficial (Brandão, 1978), a Procissão do Reinado de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Elas se assemelham às procissões do Espírito Santo, em menor escala, e também são distribuídos doces, salgados e licores na casa de alguns dos participantes.

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